Há muito se debate no âmbito jurisprudencial acerca da penhora do salário do devedor trabalhista.
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ToggleBreve histórico da penhora do salário
O Código de Processo Civil de 1973 previa, em seu art. 649, inciso IV, que o salário do devedor era absolutamente impenhorável, salvo para pagamento de prestação alimentícia, conforme exceção prevista no § 2º.
Para o Tribunal Superior do Trabalho (TST), o dispositivo mencionado não comportava interpretação extensiva, de modo que se destinava exclusivamente à pensão alimentícia.
Portanto, o TST entendia que o crédito trabalhista era absolutamente impenhorável, inclusive as eventuais sobras transferidas para a poupança.
Tal entendimento restou sedimentado na Orientação Jurisprudencial n. 153 da SDI-II do TST.
Aplicação subsidiária do CPC
Como a CLT não possui regramento próprio sobre a matéria, aplica-se no Direito Processual do Trabalho, subsidiariamente, o Código de Processo Civil (CPC), conforme autorizado pelo art. 769 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Nesse contexto, o artigo 833, § 2º, do CPC de 2015 passou a permitir, em qualquer caso, a penhora do salário do devedor que receba mais de 50 salários-mínimos mensais.
Além disso, o dispositivo supracitado permite a penhora do salário para pagamento de prestação alimentícia, independentemente da sua origem.
Élisson Miessa esclarece que o termo “prestação alimentícia” deve ser interpretado com base no art. 100, § 1º, da Constituição Federal (CF/88).
Portanto, os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado.
Diante do exposto neste tópico, conclui-se que o entendimento consubstanciado na OJ 153 da SDI-II do TST resta superado.
STJ flexibiliza a regra dos 50 salários-mínimos
Em abril de 2023, o relator do EREsp 1874222 no Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu o seguinte:
“A fixação desse limite de 50 salários-mínimos merece críticas, na medida em que se mostra muito destoante da realidade brasileira, tornando o dispositivo praticamente inócuo, além de não traduzir o verdadeiro escopo da impenhorabilidade, que é a manutenção de uma reserva digna para o sustento do devedor e de sua família”.
Logo, para o STJ, é possível relativizar o parágrafo 2º do artigo 833 do CPC, permitindo a penhora de verba salarial inferior a 50 salários-mínimos em percentual adequado às circunstâncias do caso específico, desde que se garanta um valor que assegure a dignidade do devedor e de sua família.
Colisão de princípios na penhora do salário
Não há dúvida de que o salário do devedor possui a mesma natureza alimentar do crédito do credor trabalhista, pois ambos se destinam à subsistência do indivíduo e de sua família.
Logo, há uma evidente colisão de direitos fundamentais (o direito à dignidade do credor x o direito à dignidade do devedor), a qual deve ser solucionada pelo legislador ou, caso isso não ocorra, pelo juiz no caso concreto, observando-se o princípio da proporcionalidade.
No caso em estudo, o próprio legislador resolve a controvérsia ao dispor que a penhora está limitada a 50% do salário líquido, nos termos do art. 529, § 3º, do CPC.
É importante ressaltar que o legislador fixou um teto, de modo que o juiz, no caso concreto, pode determinar a penhora em percentual inferior.
Jurisprudência sobre a penhora do salário
O TST vem decidindo que é inviável a penhora de qualquer forma de remuneração (salário aposentadoria, previdência complementar, pensão, honorários advocatícios…) se o credor recebe apenas um salário-mínimo.
Isso porque, a própria Constituição Federal indica que o salário-mínimo é o que garante a dignidade da pessoa. Assim, não é razoável que o Poder Judiciário prive o devedor dessa quantia indispensável à sua sobrevivência.
Alguns tribunais regionais vão além, entendendo o Judiciário deve garantir que sobre ao devedor ao menos o valor correspondente a um salário-mínimo. Assim, o juiz somente pode autorizar a penhora de 50% do salário se o devedor recebe, no total, ao menos dois salários-mínimos.
Penhora de aposentadoria

A penhora da aposentadoria é possível, desde que respeitado o limite de 50% do valor líquido e observado o entendimento do TST sobre a impenhorabilidade no caso de o devedor receber apenas um salário-mínimo.
Nesse contexto, o credor pode solicitar a ao juiz uma pesquisa no sistema Prevjud, recentemente criado pelo CNJ para atender às necessidades das ações previdenciárias.
Ainda que a ferramenta não tenha sido criada com o objetivo de auxiliar a execução trabalhista, a Justiça do trabalho pode utilizá-la para ter acesso às informações previdenciárias do devedor, no que tange às aposentadorias pelo regime geral do INSS.
O envio automatizado de ordens judiciais através da Prevjud, no entanto, é restrito às ações previdenciárias.
Penhora de previdência complementar
O STJ entende que é possível penhorar valores depositados em planos de previdência complementar do devedor não aposentado, desde que comprovado que o plano serve pura e simplesmente para aquisição de patrimônio.
Neste caso, aliás, a penhora não está limitada a 50% do montante.
Por outro lado, se o plano de previdência realmente se destina à formação de reserva para a aposentadoria, o TST entende que somente é possível a penhora de 50%.
Dica para os advogados
Para encontrar eventual plano de previdência complementar aberta do devedor, o advogado deve solicitar a expedição de ofício para a SUSEP, órgão responsável pelo controle e fiscalização das Seguradoras, Sociedades de Capitalização e Entidades Abertas de Previdência.
Já a previdência complementar fechada pode ser encontrada através da PREVIC, que é a Superintendência Nacional de Previdência Complementar.
Conclusão
A questão da penhora do salário do devedor trabalhista tem sido objeto de discussão e evolução jurisprudencial ao longo dos anos.
Inicialmente, o entendimento era de que o salário era absolutamente impenhorável, com exceção das parcelas destinadas à prestação alimentícia.
Contudo, o CPC de 2015 trouxe o artigo 833, § 2º, permitindo a penhora de salários acima de 50 salários-mínimos.
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) flexibilizou essa regra dos 50 salários-mínimos, entendendo que o limite é desproporcional à realidade brasileira.
Assim, o STJ passou a admitir a relativização do parágrafo 2º do artigo 833 do CPC, permitindo a penhora de verba salarial inferior a 50 salários-mínimos, desde que seja garantido um valor adequado à dignidade do devedor e de sua família, caso a caso.
A evolução jurisprudencial também demonstra a colisão de princípios fundamentais, como o direito à dignidade do credor trabalhista e o direito à dignidade do devedor.
Para equacionar essa questão, o legislador estabeleceu o limite de 50% do salário líquido para a penhora, mas também concedeu ao juiz a possibilidade de reduzir esse percentual de acordo com as particularidades do caso concreto, aplicando o princípio da proporcionalidade.
Ademais, a jurisprudência trabalhista tem sido sensível à proteção do salário-mínimo, considerando-o essencial para a subsistência digna do devedor.
Assim, em casos em que o credor recebe apenas um salário-mínimo, os tribunais têm se mostrado relutantes em permitir qualquer forma de penhora sobre essa quantia.
A penhora da aposentadoria do devedor é possível, desde que observadas as regras supracitadas.
Quanto à penhora de previdência complementar, o entendimento também varia de acordo com a finalidade do plano.
Se comprovado que o plano se destina unicamente à formação de patrimônio, a penhora não está limitada a 50%. Por outro lado, se o plano é de fato destinado à aposentadoria, a penhora fica limitada a 50% do montante.
Por fim, a obtenção de informações sobre planos de previdência complementar do devedor pode ser solicitada às respectivas entidades reguladoras, como a SUSEP para planos abertos e a PREVIC para planos fechados.