Entenda o efeito devolutivo do recurso, seus limites no CPC e no processo trabalhista, e a aplicação prática conforme a Súmula 393 do TST.
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ToggleO que é o efeito devolutivo?
Os atuais sistemas jurídicos que adotam o duplo grau de jurisdição possibilitam a interposição de recurso, que terá efeito devolutivo.
Esse efeito significa transferir ao órgão hierarquicamente superior o conhecimento das matérias julgadas no órgão inferior, buscando-se nova manifestação do Poder Judiciário sobre a matéria decidida.
A origem histórica do termo

Devolver significa enviar de volta algo que foi entregue. No direito romano antigo, a jurisdição pertencia ao imperador, que a delegava a seus prepostos em algumas ocasiões; quando havia reclamação dos súditos, porém, a jurisdição era devolvida ao imperador, circunstância que originou a expressão “efeito devolutivo do recurso”.
Críticas à denominação “efeito devolutivo”
Concordamos com Mauro Schiavi, quando diz que a expressão “efeito devolutivo” não faz sentido atualmente, pois a jurisdição não é privativa dos tribunais.
No mesmo sentido é o entendimento de Daniel Amorim Assumpção Neves:
o nome dado a tal efeito não merece elogios, considerando-se que não há nos recursos uma genuína devolução, mas uma simples transferência do órgão prolator da decisão impugnada para o órgão julgador.
Apesar das críticas, a expressão “efeito devolutivo” está consagrada na doutrina, na jurisprudência e na própria lei, de modo que o debate sobre o tema é secundário.
Extensão e Profundidade do Efeito Devolutivo
Todo recurso gera efeito devolutivo, cujos limites podem ser classificados em relação à sua extensão ou à sua profundidade.
Efeito devolutivo em extensão
O efeito devolutivo em extensão é fixado pelo próprio recorrente, pois é ele quem delimita a quantidade de matérias abordadas no recurso que serão analisadas e julgadas pelo órgão superior, conforme prescreve o art. 1.013, caput e § 1º, do CPC:
Art. 1.013. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.
§ 1º Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado.
Portanto, o efeito devolutivo em extensão está ligado ao princípio da dialeticidade, pois o órgão judicial destinatário do recurso não pode proferir julgamento além, aquém ou fora do contido nas razões recursais, exatamente como ocorre na primeira instância.
Efeito devolutivo em profundidade

O efeito devolutivo em profundidade diz respeito à qualidade das matérias que são submetidas à apreciação do órgão superior e decorre de previsão legal. Todos os recursos possuem esse efeito, o qual está prescrito no § 2º, do art. 1.013, do CPC:
2º Quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais.
Pluralidade de fundamentos
Marinoni, Arenhart e Mitidiero lecionam que
A profundidade do efeito devolutivo diz respeito à existência de pluralidade de fundamentos contidos no pedido (petição inicial) ou na defesa (contestação) e o juiz tenha acolhido apenas um deles, silenciando-se quanto aos demais fundamentos (causa de pedir).
Nesse caso, o recurso devolve ao tribunal o conhecimento de todos os fundamentos da petição inicial e da defesa.
Exemplo prático
Um trabalhador ajuíza reclamação trabalhista postulando a rescisão indireta do contrato de trabalho por dois fundamentos:
- atraso nos pagamentos dos salários;
- ausência de depósito do FGTS.
O juiz acolhe apenas o primeiro fundamento (atraso nos pagamentos dos salários), omitindo-se quanto aos depósitos do FGTS.
Neste caso, havendo recurso ordinário do empregador, o tribunal deve apreciar ambos os fundamentos da petição inicial, independentemente de manifestação do trabalhador (recurso ou contrarrazões), podendo manter a condenação por fundamento diverso do adotado na sentença.
Pedido não analisado pelo Juízo
A alínea III, do § 3º, do art. 1.013, do CPC prescreve que o tribunal deve decidir o mérito quando constatar omissão do juiz no julgamento de um pedido, desde que o processo esteja maduro para imediato julgamento.
Hipótese não prevista expressamente no CPC
Há uma hipótese não prevista expressamente no CPC; é o caso do pedido não analisado pelo juiz por ter restado prejudicado em razão do julgamento de outro pedido.
Exemplifiquemos: na petição inicial o trabalhador postula o pagamento de horas extras, com juros e correção monetária.
Em seguida, pede uma indenização complementar, com fundamento no parágrafo único, do art. 404, do Código Civil, cujo objetivo é suprir a diferença entre o montante da condenação e o montante obtido com a aplicação de índices oficiais de correção monetária e juros.
O juiz julga improcedente o pedido de pagamento das horas extras. Por consequência, fica prejudicada a análise da indenização suplementar.
Contudo, se o trabalhador recorrer e o tribunal reformar a sentença quanto às horas extras, qual órgão será competente para analisar o pedido de indenização suplementar?
Vejamos no próximo tópico.
Aplicação analógica da alínea III, do § 3º, do art. 1.013, do CPC
O CPC não trata expressamente sobre a devolução, em profundidade, de pedido não enfrentado pelo Juízo inferior na circunstância acima exemplificada.
Além disso, não há vício algum na sentença, de modo que não se trata da hipótese da alínea III, do § 3º, do art. 1.013, do CPC (sentença citra petita).
No entanto, por aplicação analógica deste dispositivo legal, o pedido de indenização suplementar deve ser decidido originariamente pelo tribunal, desde que o processo esteja em condições de imediato julgamento.
Efeito devolutivo no Processo do Trabalho

A Súmula 422 do TST complementa a discussão sobre os requisitos formais dos recursos, enfatizando a importância da fundamentação específica, que está diretamente ligada ao efeito devolutivo no processo trabalhista.
Contudo, a CLT é omissa quanto à extensão e profundidade do efeito devolutivo no Recurso Ordinário, pois o art. 899 prescreve apenas que os recursos terão efeito meramente devolutivo.
Súmula 393 do TST
Diante da omissão da CLT, devem ser aplicadas no Direito Processual do Trabalho as previsões do CPC, conforme entendimento consolidado do TST na Súmula 393:
RECURSO ORDINÁRIO. EFEITO DEVOLUTIVO EM PROFUNDIDADE. ART. 1.013, § 1º, DO CPC DE 2015. ART. 515, § 1º, DO CPC DE 1973.
I – O efeito devolutivo em profundidade do recurso ordinário, que se extrai do § 1º do art. 1.013 do CPC de 2015 (art. 515, §1º, do CPC de 1973), transfere ao Tribunal a apreciação dos fundamentos da inicial ou da defesa, não examinados pela sentença, ainda que não renovados em contrarrazões, desde que relativos ao capítulo impugnado.
II – Se o processo estiver em condições, o tribunal, ao julgar o recurso ordinário, deverá decidir desde logo o mérito da causa, nos termos do § 3º do art. 1.013 do CPC de 2015, inclusive quando constatar a omissão da sentença no exame de um dos pedidos.
Críticas à Súmula 393 do TST
Carlos Henrique Bezerra Leite critica o texto consolidado na Súmula 393, afirmando que a súmula peca ao fazer remissão ao § 1º, do art. 1.013, do CPC. Isso porque, o autor entende que o citado dispositivo legal trata do efeito devolutivo em extensão, e não em profundidade.
Além disso, o mencionado autor argumenta que o item II da Súmula 393 não diz respeito ao efeito devolutivo, e sim ao efeito expansivo do recurso ordinário.
Alcance do efeito devolutivo no Processo do Trabalho
O efeito devolutivo alcança apenas os capítulos expressamente impugnados no recurso. Entende-se por capítulo qualquer decisão relativa a matérias ou pedidos pronunciada na sentença.
Assim, se na petição inicial o reclamante requer o pagamento de adicional noturno e indenização por dano moral e o juiz defere ambos os pedidos, cabe ao reclamado impugnar ambos os capítulos no recurso ordinário.
Se no exemplo acima o reclamado recorrer apenas do adicional noturno, o tribunal não poderá apreciar os fundamentos do capítulo da sentença que deferiu a indenização por dano moral.
Conclusão
O efeito devolutivo em profundidade, embora seja um instituto consagrado na doutrina e na jurisprudência, apresenta desafios interpretativos, especialmente quando confrontado com situações de omissão judicial ou ausência de previsão expressa no ordenamento jurídico, como na CLT.
A Súmula 393 do TST busca harmonizar as regras do CPC com as particularidades do processo trabalhista, mas críticas doutrinárias apontam inconsistências em sua formulação, destacando a complexidade do tema.
Ao compreender a extensão e a profundidade desse efeito, advogados e operadores do direito podem atuar de forma mais estratégica na interposição de recursos, aumentando as chances de sucesso em suas causas.