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Direito Laboral

A desistência do substituído e a interrupção da prescrição

A desistência do substituído na ação coletiva afeta ou não a interrupção da prescrição?

Introdução

O presente estudo visa esclarecer a ocorrência da interrupção da prescrição nos casos em que o sindicato da categoria ajuíza reclamatória, valendo-se da substituição processual, e o empregado substituído desiste da demanda.

Substituição processual

No âmbito do Direito Processual do Trabalho, caracteriza-se a substituição processual como uma legitimação ad causam extraordinária, que permite a alguém postular em juízo, em nome próprio, direito alheio.

Cabe ao sindicato exercer a substituição processual no processo do trabalho, conforme estabelece o artigo 8º, III da Constituição Federal.

De acordo com o Supremo Tribunal Federal, (RE 883.642/AL), o sindicato possui ampla legitimidade extraordinária para defender em juízo os direitos e interesses coletivos ou individuais dos integrantes da categoria que representam, inclusive nas liquidações e execuções de sentença, independentemente de autorização dos substituídos.

Assim, tem o sindicato legitimidade ativa para ajuizar reclamação trabalhista pleiteando qualquer direito da categoria.

Ainda, é neste sentido que tem se posicionado o Tribunal Superior do Trabalho (TST), reconhecendo a legitimidade de a entidade sindical atuar na defesa de todos e quaisquer direitos subjetivos individuais e coletivos dos integrantes da categoria.

Além disso, na área trabalhista, entre outras características, a substituição processual é autônoma, porque o substituído pode desistir da ação e transacionar, bem como concorrente, pois o substituto pode propor ação sem aguardar a inércia do substituído.

Sobre a desistência do substituído

Mulher loira usando jaqueta vermelha aparentando estar cansada na frente de um notebook.

A Lei nº 7.788/89 previa que o trabalhador substituído não poderia desistir individualmente da ação. Porém, a referida lei foi revogada, não mais havendo óbice legal para que ocorra a desistência.

O juiz, ao se deparar com o pedido de desistência do substituído, deve agir com ponderação. Todos os motivos expostos pelo trabalhador para que a ação seja extinta devem ser analisados detalhadamente.

Ao substituto, deve ser dada ciência do pedido para que possa, querendo, manifestar-se a respeito, fornecendo ao juiz mais subsídios para formar a sua convicção.

Se a solicitação de desistência é feita logo após o encerramento da instrução, quando já se pode prever o sucesso do substituto na causa, ou depois de proferida a sentença, favorável a ele, maior deve ser o cuidado do magistrado na análise do pedido, conforme leciona Manoel Antônio Teixeira Filho.

Além disso, o substituído que ainda trabalha sob a subordinação hierárquica do empregador pode ser pressionado a desistir da ação, sob pena de ser despedido.

O receio de perder o emprego pode levar o empregado a concluir que é melhor consentir que alguns de seus direitos lhe sejam subtraídos pelo empregador, ao invés de lutar por eles, através do sindicato, numa batalha judicial que pode demorar muitos anos e que não tem garantia de sucesso.

Essa possibilidade de pressão por parte do empregador deve ser ponderada pelo magistrado. Não estamos afirmando que isto aconteça sempre, mas, sim, que é um fato presumível devido à posição de inferioridade do trabalhador.

Convém lembrar, que a desistência da ação extingue o processo sem o julgamento de mérito. Portanto, o empregado poderá, eventualmente, no futuro, ajuizar demanda cobrando os mesmos direitos.           

Consentir ou proibir a desistência do substituído em todas as ações não é a saída mais coerente. A insensatez reside nos extremos.

A interrupção da prescrição pelo sindicato

Ocorre a interrupção da prescrição trabalhista, em relação aos pedidos formulados na peça inaugural, com o ajuizamento da reclamatória.

A Súmula 268 do Tribunal Superior do Trabalho, ao estabelecer que a ação trabalhista, mesmo que arquivada, interrompe a prescrição no que tange aos pedidos idênticos, não faz nenhuma ressalva quanto ao fato de ela ser ajuizada pelo sindicato. Havendo ação, seja ela interposta pelo trabalhador ou pelo sindicato, ocorre a interrupção da prescrição.

O legislador, ao tratar sobre a interrupção da prescrição nos artigos 240, § 1º do Código de Processo Civil e 202, parágrafo único do Código Civil, não fez qualquer distinção quanto à espécie, tratando apenas do gênero prescrição.

Assim, para o TST, tanto a prescrição bienal quanto a quinquenal são interrompidas com a propositura da ação, sendo que a primeira reinicia a partir do término da ação interruptiva e a segunda (quinquenal) conta-se do ajuizamento da primeira ação.

O entendimento da mais alta Corte trabalhista está correto em nosso entendimento, pois a prescrição pressupõe a inércia do interessado.

Logo, quando ocorre a interrupção da prescrição com o ajuizamento da reclamatória, temos que um dos requisitos do instituto não se consumou.

A lei também não fez distinção entre o prazo bienal e o quinquenal. Desta forma, caso o magistrado reconheça a interrupção da prescrição apenas para o prazo bienal e pronuncie a prescrição quinquenal estará criando um fato jurídico (o fato jurídico da prescrição) que jamais existiu, pois, enquanto o prazo prescricional não se completa, não há falar em prescrição.

Assim, temos que a jurisprudência dominante:

  1. Reconhece que com o ajuizamento da ação pelo sindicato, na qualidade de substituto processual, ocorre a interrupção da prescrição;
  2. Entende que o ajuizamento de ação trabalhista enseja a interrupção da prescrição bienal e também da prescrição quinquenal.

A desistência do substituído e a interrupção da prescrição

Um operário de costas olhando para um caminhão

Imaginemos a seguinte situação: o sindicato profissional de determinada categoria ajuíza reclamatória trabalhista, agindo como substituto processual, contra determinada empresa, no intuito de cobrar algumas parcelas garantidas contratualmente aos trabalhadores que nela desempenham suas tarefas.

Tal ajuizamento se deu em 05/10/2018, quando o trabalhador Fulano de Tal, um dos substituídos, estava em pleno desempenho de suas funções na empresa.

Em 14/07/2019, Fulano peticiona requerendo que seu nome seja excluído do rol dos substituídos.

Em 19/08/2019, o trabalhador é despedido sem justa causa pela empresa.

O processo segue na sua fase de conhecimento, sendo encerrada a instrução e prolatada a sentença de mérito em 19/05/2023, com o acolhimento, em preliminar, da exclusão de Fulano de Tal do rol dos substituídos.

Em 29/06/2023 Fulano de Tal ajuíza reclamatória individual com pedidos idênticos aos formulados pelo sindicato na ação anterior. A empresa contesta o feito, alegando que já havia transcorrido o prazo prescricional bienal desde a extinção do contrato de trabalho.

Neste exemplo, não importa qual tenha sido a decisão de mérito na ação proposta pelo sindicato, pois o foco principal está nos efeitos decorrentes da desistência do substituído.

É importante, aqui, fixarmos alguns critérios interpretativos, com base no posicionamento majoritário da jurisprudência:

  1. O sindicato é parte legítima para atuar como substituto processual dos integrantes da categoria;
  2. Ocorre a interrupção da prescrição com o ajuizamento de ação judicial pelo sindicato, em substituição ao trabalhador;
  3. O substituído pode intervir no processo para manifestar o seu desejo de desistir da ação.

Fixados tais critérios, surge o questionamento: com a desistência individual de Fulano de Tal na ação coletiva houve a interrupção da prescrição ou tem razão a empresa quando invoca a prescrição baseada no prazo bienal, a contar do término do contrato de trabalho?

Solução do problema da interrupção da prescrição

A nosso ver, ocorreu a interrupção da prescrição.

Não existe outra condição, que não seja a identidade de pedidos, para que o ajuizamento da reclamatória trabalhista interrompa o prazo prescricional. Além disso, não há dispositivo legal que condicione a interrupção da prescrição à permanência do substituído até o término do processo.

Em verdade, a desistência do empregado equivale ao arquivamento da demanda pelo não comparecimento à audiência, pois ambos possuem conteúdo terminativo do processo, sendo imperativa a aplicação analógica da Súmula 268 do Tribunal Superior do Trabalho para estabelecer que houve a interrupção da prescrição.

Ademais, a ação trabalhista, ainda que arquivada sem resolução de mérito, interrompe a prescrição com relação aos pedidos idênticos. Esse critério abrange também extinções processuais por desistência do reclamante.

Por fim, ainda que se entenda que o sindicato, com a desistência de Fulano de Tal, tornou-se parte ilegítima, isso não seria suficiente para se considerar que não houve interrupção da prescrição.

Nesse aspecto, o Tribunal Superior do Trabalho, após analisar inúmeras ações que continham a tese de que, sendo o sindicato declarado parte ilegítima, a interrupção da prescrição não se configuraria, firmou entendimento no sentido contrário, nos termos da Orientação Jurisprudencial 359 da SBDI-1, com o seguinte texto:

A ação movida por sindicato, na qualidade de substituto processual, interrompe a prescrição, ainda que tenha sido considerado parte ilegítima “ad causam”.            

Desta forma, não importa se houve ou não a deslegitimação do sindicato com a desistência, pois a prescrição já fora interrompida.

Conclusão

Quanto ao problema da interrupção da prescrição no caso de desistência do substituído da ação proposta pelo sindicato, deduz-se que há interrupção. Essa conclusão é possível quando analisados todos os entendimentos jurisprudenciais majoritários, quais sejam:

  1. A única exigência para que a prescrição seja interrompida pelo ajuizamento da ação é a identidade de pedidos;
  2. A ação trabalhista, ainda que arquivada, interrompe a prescrição quanto aos pedidos idênticos;
  3. O sindicato possui legitimidade ampla para substituir os integrantes da categoria;
  4. A ação ajuizada pelo sindicato interrompe a prescrição, mesmo que seja considerado parte ilegítima.

Assim, ainda que o trabalhador desista individualmente da ação movida pelo sindicato, será beneficiado com a interrupção do prazo prescricional.

Se você se interessa por temas relacionados ao Direito Processual do Trabalho, sugerimos a leitura do nosso artigo sobre a prova digital.