O trabalhador que ocupa cargo de confiança não está sujeito ao controle da jornada de trabalho. Algumas regras, no entanto, devem ser observadas.
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ToggleA jornada de trabalho na legislação brasileira
Todo trabalhador, urbano e rural, tem direito à duração do trabalho normal não superior a 8h diárias e 44h semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho. Esta previsão consta do art. 7º, XIII, da Constituição Federal.
A CLT (Decreto-Lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943) apresenta disposição semelhante, conforme o artigo 58, que trata da duração do trabalho:
Art. 58 – A duração normal do trabalho, para os empregados em qualquer atividade privada, não excederá de 8 (oito) horas diárias, desde que não seja fixado expressamente outro limite.
No entanto, a própria CLT estabelece exceções para casos específicos. Uma delas está expressa no art. 62, II:
Art. 62 – Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo:
I – (…)
II – os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão, aos quais se equiparam, para efeito do disposto neste artigo, os diretores e chefes de departamento ou filial.
III – (…)
É exatamente a exceção acima que abordaremos neste artigo.
Constitucionalidade do Art. 62 da CLT
Dentre os estudiosos do Direito do Trabalho, há entendimento doutrinário minoritário no sentido de que o artigo 62 da CLT não teria sido recepcionado pela Constituição Federal de 1988. É o que defende, por exemplo, José Augusto Rodrigues Pinto, citado por Vólia Bomfim Cassar.
Além disso, a tese da inconstitucionalidade do dispositivo legal em debate é defendida no enunciado n. 17 da Primeira Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho:
17. LIMITAÇÃO DA JORNADA. REPOUSO SEMANAL REMUNERADO. DIREITO CONSTITUCIONALMENTE ASSEGURADO A TODOS OS TRABALHADORES. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 62 DA CLT. A proteção jurídica ao limite da jornada de trabalho, consagrada nos incisos XIII e XV do art. 7o da Constituição da República, confere, respectivamente, a todos os trabalhadores, indistintamente, os direitos ao repouso semanal remunerado e à limitação da jornada de trabalho, tendo-se por inconstitucional o art. 62 da CLT.
Entretanto, prevalece a interpretação de que o artigo 62 da CLT foi recepcionado pela Constituição, conforme leciona Vólia Bomfim Cassar:
O art. 62 da CLT foi recepcionado pela Constituição de 88, pois a regra geral imposta pelo art. 7º, XIII e XVI, da CRFB não revoga os casos especiais. Se assim o fosse, não existiria mais o contrato a termo em face do aviso prévio garantido a todos os trabalhadores (art. 7º, XXI, da CRFB), nem o direito à equiparação salarial preconizada no art. 461 da CLT, em face da igualdade preconizada no caput do art. 5º da CRFB etc.
Na mesma linha, o ministro Mauricio Godinho Delgado entende que o art. 62 da CLT não apresenta um critério de eleição de discriminação (que seria inconstitucional). Trata-se, em verdade, de um critério prático, “reconhecido pelo Direito, como síntese de lógica e sensatez socialmente ajustadas.”
Horas extras e adicional noturno
Superada a questão da constitucionalidade do art. 62 da CLT, destaca-se que ele está inserido no capítulo II, que trata exatamente das normas da duração do trabalho envolvendo questão de descanso, de horas extras e adicional noturno.
Portanto, os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão, que se equiparam a diretores e chefes de departamento ou filial, não estão sujeitos a controle da jornada de trabalho. Como consequência, não recebem horas extras e adicional noturno, exceto se a empresa, espontaneamente, optar pelo pagamento de tais parcelas.
Domingos e feriados

Ainda que o empregado esteja enquadrado na exceção do art. 62, II da CLT, o trabalho realizado aos domingos e feriados deve ser remunerado em dobro.
De acordo com a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, todos os empregados têm direito ao que está previsto no artigo 7º, inciso XV, da Constituição da República e no artigo 1º da Lei 605/49, que estabelecem o repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos, e o pagamento de salário nos feriados.
Salário diferenciado do cargo de confiança
O salário do cargo de confiança, compreendendo a gratificação de função, se houver, deve ser superior ao valor do respectivo salário efetivo acrescido de 40%. É o que se extrai do parágrafo único, do art. 62 da CLT:
Parágrafo único – O regime previsto neste capítulo será aplicável aos empregados mencionados no inciso II deste artigo, quando o salário do cargo de confiança, compreendendo a gratificação de função, se houver, for inferior ao valor do respectivo salário efetivo acrescido de 40% (quarenta por cento).
Portanto, se a empresa não remunerar o trabalhador exercente de cargo de confiança na forma do dispositivo legal mencionado, não poderá enquadrá-lo na exceção do art. 62, II da CLT.
Ônus da prova do cargo de confiança
O ônus da prova quanto ao exercício do cargo de gestão e ao salário diferenciado incumbe ao empregador, por se tratar de fato impeditivo do direito.
Caso o empregador produza a referida prova, e pretendendo o empregado o pagamento dos direitos inerentes à duração do trabalho, a ele incumbe demonstrar que havia controle e fiscalização da jornada, nos termos do artigo 818, da CLT:
Art. 818. O ônus da prova incumbe:
I – ao reclamante, quanto ao fato constitutivo de seu direito;
II – ao reclamado, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do reclamante.
Isso porque, o art. 62, II da CLT cria apenas uma presunção jurídica favorável ao empregador, a qual, pode ser afastada por prova em contrário.
Portanto, se a prova dos autos demonstrar que houve efetiva fiscalização e controle da jornada, deve incidir o conjunto das regras clássicas concernentes à duração do trabalho.
Quem se enquadra no cargo de confiança do art. 62, II da CLT?

O trabalhador que ocupa cargo de confiança é um representante do empregador no trabalho. Tem autoridade para dirigir, coordenar atividades e supervisionar sua execução. Dependendo do nível de autonomia concedido pela empresa, pode aplicar medidas disciplinares, como advertências, suspensões e dispensas por justa causa.
Porém, a interpretação do Direito do Trabalho pode ser realizada de diversas formas, de modo que inexiste consenso doutrinário e jurisprudencial sobre qual empregado de confiança se enquadra no inciso II do art. 62 da CLT.
Entendimento de Mauricio Godinho Delgado
O ilustre Ministro do Tribunal Superior do Trabalho explica que, de acordo com o antigo texto da alínea “b” do art. 62 da CLT (antes da nova redação promovida pela Lei n. 8.966/94), gerente, para efeito de enquadramento na exceção em comento, seria apenas o trabalhador investido de mandato, em forma legal, que exercesse encargos de gestão e tivesse padrão mais elevado de vencimentos (2015, p. 975).
Contudo, diante da nova redação do mencionado artigo, Godinho defende que houve significativa ampliação do tipo legal de gerente, para fins celetistas, não mais se exigindo poderes de representação e de mando.
Entendimento de Vólia Bomfim Cassar
A ilustre jurista Vólia Bomfim Cassar tem outro ponto de vista (2015, p. 665).
Para a autora, existem diferentes graus de intensidade da confiança, sendo que o elemento essencial para enquadrar o trabalhador na exceção do art. 62, II da CLT é a possibilidade de algum de seus atos colocar em risco não só a atividade do empregador, mas a sua própria existência.
Nosso entendimento sobre o cargo de confiança
Entendemos que o grau de intensidade da confiança é importante na definição dos empregados que se enquadram na previsão do art. 62, II da CLT.
Entretanto, não nos filiamos à corrente que defende que somente são elegíveis os gerentes cujos atos forem capazes de colocar em risco o empreendimento econômico.
Pensamos que é possível afastar a aplicação do capítulo II da CLT no caso de empregado que não detenha poderes legais de representação (procuração), que não seja a autoridade máxima da unidade produtiva e que não possua poderes absolutos de admissão e dispensa.
Evidentemente, os elementos mencionados, se presentes, contribuem para a conclusão de que o trabalhador efetivamente se encaixa na exceção legal em tela.
Contudo, a ausência dessas condições não afasta, por si só, a possibilidade de aplicação do art. 62, II da CLT. Somente a análise da prova produzida em cada caso concreto permitirá ao juiz decidir pela aplicação ou não da referida exceção legal.
Conclusão
O artigo aborda o tema do “cargo de confiança” e sua exceção à jornada de trabalho regular estabelecida na CLT e na Constituição Federal.
Enquanto a maioria dos estudiosos do Direito Material do Trabalho defende que o art. 62, II da CLT foi recepcionado pela Constituição de 1988, existem vozes minoritárias que sustentam a inconstitucionalidade desse dispositivo.
A divergência se estende quanto ao enquadramento do trabalhador no cargo de confiança.
Alguns juristas argumentam que a intensidade da confiança e o risco que o empregado representa para o empreendimento são os principais critérios, enquanto outros defendem que a falta de poderes legais de representação não necessariamente exclui o enquadramento.
O entendimento predominante é que a avaliação deve considerar a prova apresentada em cada caso específico.
Além disso, o artigo destaca a obrigatoriedade do pagamento em dobro pelo trabalho realizado em domingos e feriados, mesmo para aqueles enquadrados na exceção do art. 62, II da CLT.
Também aborda o ônus da prova, cabendo ao empregador comprovar o exercício do cargo de gestão e o salário diferenciado, enquanto ao empregado cabe demonstrar a existência de controle e fiscalização da jornada, caso busque o pagamento de direitos trabalhistas regulares.
Em resumo, o tema do “cargo de confiança” é complexo e gera debates entre estudiosos e juristas, destacando a importância da análise individualizada de cada caso para determinar a aplicação adequada das normas trabalhistas.
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