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Direito Laboral

Interpretação do Direito do Trabalho

Introdução

Quando uma lei é publicada e entra em vigor, ela se desvincula dos seus criadores, adquirindo vida própria. A partir desse momento, as leis podem se adaptar a novas situações que não foram consideradas no instante de sua elaboração. Surge, então, a necessidade de interpretar.

A interpretação das normas jurídicas é realizada por todos os operadores do Direito, com o objetivo de encontrar o verdadeiro sentido da norma e delimitar seu alcance.

A hermenêutica jurídica é a ciência responsável por sistematizar diferentes técnicas e métodos, a fim de concretizar a interpretação das normas no plano prático.

A interpretação das leis pode ser classificada de acordo com sua natureza, sua extensão ou o agente responsável por aplicá-la.

Advogado trabalhista interpretando um documento jurídico
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Classificação quanto à natureza

Quanto à natureza, a interpretação pode ser literal, histórico-evolutiva, histórica, teleológica ou sistemática.

Interpretação Tradicional, Gramatical ou Literal

A interpretação tradicional, também conhecida como gramatical ou literal, é uma das mais antigas, surgida na França no século XIX, e baseia-se na compreensão do significado das palavras da norma através de regras linguísticas.

Nesse caso, o intérprete deve seguir à risca a interpretação literal do texto legal, sem buscar significados além dos expressos pelo legislador.

Esse método, conhecido como escola exegética, é considerado o mais limitado, pois se o significado gramatical fosse suficiente para expressar toda a intenção do legislador, não haveria a necessidade de qualquer interpretação.

Apesar de suas limitações, a interpretação literal ainda é muito utilizada, inclusive no Direito do Trabalho, como no caso da Súmula 330 do Tribunal Superior do Trabalho, que atribui eficácia liberatória às parcelas discriminadas no recibo de quitação assinado pelo empregado e assistido por sindicato, conforme disposto no artigo 477, § 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

A professora Vólia Bomfim Cassar critica essa posição, defendendo que a quitação deve ser referente apenas ao valor pago, e não à parcela em si.

Em uma interpretação literal do parágrafo sexto do artigo 477 da CLT, por exemplo, que estabelece prazos para o pagamento das parcelas rescisórias constantes no instrumento de rescisão ou recibo de quitação, o intérprete concluiria, de forma equivocada, que o empregador só teria prazo para pagar as parcelas rescisórias caso emitisse documento discriminando as referidas parcelas, o que não seria razoável.

No entanto, em algumas situações, a interpretação literal é adequada e justa. Ela pode ser aplicada, por exemplo, ao artigo 7º, XXXIII, da Constituição Federal, que proíbe qualquer trabalho aos menores de quatorze anos.

Interpretação Histórico-Evolutiva

A interpretação histórico-evolutiva busca compreender a intenção do legislador no momento da criação da lei, mas permite que essa intenção seja adaptada ao contexto social atual.

Esse tipo de interpretação reconhece que a norma possui vida própria e, assim, admite que o intérprete atribua a ela um novo significado, desde que respeite os objetivos originais do legislador.

Essa forma de interpretação, no entanto, é criticada por alguns autores, que temem que o intérprete possa, ao tentar adequar a norma ao contexto atual, substituir a função do legislador.

Apesar disso, a interpretação histórico-evolutiva é essencial para adaptar as normas à Constituição Federal, e o Supremo Tribunal Federal tem adotado esse método para assegurar que a ordem constitucional seja respeitada.

No TST, as Súmulas 178 e 346 são exemplos de aplicação desse tipo de interpretação.

Interpretação Histórica

A interpretação histórica, por sua vez, busca a verdadeira intenção do legislador por meio de documentos da época, como projetos de leis, debates nas comissões legislativas e pareceres. Embora esses materiais não sejam considerados fontes do Direito do Trabalho, eles servem como subsídios para descobrir o que o legislador pretendia ao criar a norma.

No entanto, a interpretação histórica também é alvo de críticas, especialmente por negar o caráter evolutivo da norma, prendendo o intérprete ao passado e ignorando as mudanças sociais.

A doutrina recomenda que esse tipo de interpretação seja utilizado com cautela, servindo como complemento ao entendimento do intérprete.

Interpretação Teleológica, Sociológica ou Lógica

A interpretação teleológica, sociológica ou lógica, por sua vez, tem como base a finalidade da norma. Nesse caso, o intérprete deve buscar o objetivo da lei e aplicar a norma de forma a atingir esse objetivo, ainda que os meios utilizados não sejam os descritos pelo legislador.

Um exemplo seria o empregador que, ao contratar o empregado, não assinou sua carteira de trabalho, mas quando o dispensou pagou todas as parcelas rescisórias, inclusive o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), com o acréscimo de 40%. Embora a lei exija que o FGTS seja depositado na conta vinculada do trabalhador, a finalidade da norma foi cumprida, e a infração seria apenas de caráter administrativo.

No entanto, o intérprete deve ser cauteloso ao aplicar esse método, para evitar que a norma seja distorcida a ponto de contrariar a vontade do legislador.

Interpretação Sistemática

A interpretação sistemática considera o ordenamento jurídico como um todo. O intérprete deve analisar as normas de forma integrada, buscando coerência entre as diferentes partes do sistema legal.

Ilustração de um documento personificado, com uma lupa na mão analisando outros documentos

Esse método, segundo o Ministro Luis Roberto Barroso, disputa com a interpretação teleológica a primazia no processo de interpretação das normas.

A interpretação sistemática também pode ser feita dentro de uma única lei, quando o intérprete compara diferentes partes do texto legal para garantir que estejam harmonizadas. Um exemplo disso é a extensão aos homens da proibição de revistas íntimas prevista no artigo 373-A, VI, da CLT, que originalmente se aplicava apenas às mulheres.

Classificação quanto ao resultado da interpretação

Quanto à extensão ou resultado, a interpretação pode ser extensiva, restritiva ou declarativa.

Interpretação extensiva

A interpretação extensiva ocorre quando o legislador quis abranger mais situações do que as mencionadas no texto da lei. Exemplo de interpretação extensiva é a conferida majoritariamente ao art. 7º, XVII, da CF/88. Entende-se que o terço pecuniário é devido inclusive quando as férias não são gozadas e sim indenizadas.

Interpretação restritiva

A interpretação restritiva parte da premissa de que o legislador disse mais do que pretendia, e por isso o texto deve ser interpretado de forma a reduzir seu alcance.

Interpretando-se restritivamente o art. 477, § 2º, da CLT, por exemplo, chega-se à conclusão de que a eficácia liberatória diz respeito apenas ao valor consignado no recibo de quitação passado pelo empregado ao empregador, com assistência de entidade sindical, e não à parcela, como entende o TST (Súmula 330).

Interpretação declarativa

A interpretação declarativa, por fim, busca apenas esclarecer o sentido e vontade exata das palavras transparentes utilizadas na lei, sem ampliar ou restringir seu alcance.

Classificação quanto à origem ou ao agente

Quanto ao agente responsável pela interpretação, ela pode ser autêntica, judicial, doutrinária ou administrativa.

Autêntica, Legislativa, Legal ou Pública

A interpretação autêntica é feita pelo próprio órgão que criou a norma.

Alguns autores defendem que a exposição de motivos seria uma interpretação autêntica, pois retrata a intenção do legislador. Contudo, outros autores sustentam que não se trata de interpretação autêntica, porque não é feita por lei.

Judicial

A interpretação judicial é realizada pelos juízes e tribunais na atividade judicante, ao aplicar a lei na solução aos casos em julgamento.

Juiz do Trabalho em sua mesa analisando documentos

Doutrinária ou Privada

A interpretação doutrinária é feita por juristas em estudos e pareceres realizados em livros e publicações sobre o tema.

Administrativa

A interpretação administrativa é manifestada pelos órgãos da Administração Pública, ao editar atos normativos ou julgar processo administrativo.

Interpretação em Favor da Liberdade

Além das tradicionais formas de interpretação acima mencionadas, alguns autores defendem a interpretação em favor da liberdade. Segundo ela, qualquer norma que restrinja a liberdade, seja de locomoção, trabalho, trânsito, profissão, indústria, comércio etc., deve ser interpretada de forma restritiva, para garantir a máxima proteção desse direito.

Interpretação do Direito do Trabalho

No campo do Direito Material do Trabalho, todos os métodos de interpretação são aplicáveis, mas a interpretação histórico-evolutiva é frequentemente utilizada, devido à antiguidade de muitas normas trabalhistas.

A professora Vólia Bomfim Cassar defende que o princípio in dubio pro misero orienta todo o Direito do Trabalho, conduzindo à interpretação mais favorável ao trabalhador. Assim, quando a norma for restritiva de direitos, sua interpretação também será restritiva, e quando a norma criar benefícios ao trabalhador, sua interpretação será extensiva.

Se você pretende aprofundar seus conhecimentos jurídicos, sugerimos a leitura do nosso artigo que aborda questões sobre a jornada de trabalho do ocupante de cargo de confiança, à luz do art. 62, II da CLT.